Ao se aproximar o dia dos/as
namorados/as, começam os bombardeios de propagandas incentivando a troca de
presentes entre casais: de namorados, os casados, também entre os amantes, ficantes, os casos e outras configurações
de pares. Um presente
simbolizando o amor e afeto entre as pessoas. Neste caso, somente entre os
(vários tipos de) casais ou quem esteja em par (ou trio, quarteto... – por que
não?). Em outras culturas no dia dos/as namorados/as a troca de presentes pode
se estender às pessoas em seus ciclos de amizades e a familiares, porque o que
se celebra é o amor entre elas. No entanto, no Brasil, é Santo Antônio, o santo
casamenteiro, quem, neste início de junho, é o símbolo principal da
demonstração de afeto entre os pares amorosos; a celebração do amor de quem
está em par. E quem não o tem um par, sugere-se que procure. E haja pedidos
para o Santo!
A cultura do par é muito forte
em nossa sociedade. A alma gêmea, a metade da laranja, ou ter alguém (ou
alguéns) para não se andar só... uma companhia, uma parceira para compartilhar
os momentos bons e ruins da vida, para compartilhar o prazer e a dor, a alegria
e a tristeza. Alguém(ns) que tenha(m) gostos parecidos, ou que se complementem por serem tão diferentes – um Eduardo e uma Mônica (como bem descreveu Renato Russo), por exemplo. E a lista de
possibilidades e expectativas pode crescer ainda mais porque as exigências têm
aumentado: ser uma pessoa amável, carinhosa, que tenha pegada, que seja alegre, divertida, que seja independente
financeiramente e emocionalmente (principalmente da mãe), que atenda as
necessidades (e fantasias) sexuais, dentre outras tantas expectativas.
Essas expectativas se somam à
norma contemporânea das relações quando estas se estabelecem em um contexto
onde o fator econômico ou a união entre duas famílias não são mais regras a
serem seguidas. Aliás, nem há mais uma regra a ser seguida. Isto porque em um
contexto caracterizado pela democracia, as pessoas possuem a liberdade de escolher
com quem elas querem se relacionar, quando e como (dentro de muitas limitações em
função das posições de classe social, gênero, raça/etnia, orientação sexual, etc., que as pessoas vão ocupar). Neste cenário, as relações se configuram por diversos
fatores, dentre eles, ganha destaque o amor. Este sentimento agora não é mais
romantizado no sentido de um amor platônico, inalcançável, porque agora o amor
como um sentimento pela outra pessoa pode ser concretizado e inclui o
ingrediente sexual para dar mais tempero às relações.
E os/as solteiros/as nesse
contexto do amor, do sexo e dos afetos nas proximidades do dia dos/as
namorados/as? Especialmente aqueles/as que não têm namorado/a ou outro tipo de
relação que caiba a troca de presentes e atenda esse ideal de uma sociedade de
consumo?
Em meus estudos sobre a solteirice em Salvador, os/as
participantes falaram sobre o fato de estar fora de uma condição de ter um par, e nessas falas, assim como as de outros estudos sobre o tema, também percebi como ainda a cultura do par e qualquer tipo
de parceria que possa ser nominada, ou seja, padronizada – que ganha
visibilidade no dia dos/as namorados/as – ainda é muito presente. Esta cultura é sentida por quem está fora dela, que comumente é
bombardeado/a por comentários como: “está sozinha/o, por quê?”, “tão bonita/o e
inteligente, por que não casou?”, “você vai encontrar uma pessoa para te tirar
dessa vida de farra”, dentre outras frases “bem intencionadas”.
Os contrapontos – os
contradiscursos e práticas contrárias às normas – vão tirar da obrigatoriedade
de realizar o gesto simbólico – e capitalista – de reconhecer-se pertencendo à
cultura dos casais, pelo gesto de dar e receber presentes. Solteiros/as sem
namorados/as não precisam trocar presentes. Quem incorpora a solteirice como um estilo de vida e se
sente bem nesta condição, desfrutando de tudo que há de positivo nela – que, no
meu estudo, se resume à liberdade proporcionada pela vida de solteiro/a - talvez
não se sinta incomodado/a com o dia dos/as namorados/as, tal como muitos/as
dos/as participantes que afirmaram estarem satisfeitos/as com sua solteirice. Essas pessoas podem, então
(evitando filas de motéis e restaurantes lotados de casais), se sentir à vontade para
sair nos bares e boates da cidade para se divertir com os/as amigos/as, ou
ficar em casa na companhia de quem quiser; inclusive sozinhos/as.
Outros/as solteiros/as podem se sentir muito
excluídos/as por não terem “alguém pra chamar de seu” (como se as pessoas
precisassem tomar posse do outro), por não receberem presentes no 12 de junho e
podem até se sentirem incapazes de encontrar alguém... Dentre as diversas pessoas
que participaram dos meus estudos, encontrei uma mulher muito religiosa (na
época da pesquisa do Mestrado, em 2007), que se queixou de estar sozinha, mas nos
estudos posteriores, não ouvi queixas sobre estar sem um par. O que observei,
contudo, foi que, para quem não se sente à vontade nesta condição de solteiro/a
sem par, parece que, no dia dos/as namorados/as o ideal é se proteger dos
bombardeios de mensagens de amor espalhadas nas redes sociais, nos outdoors, e evitar ir ao shopping, à
floricultura, às docerias!...
O dia (comercial) dos/as
namorados/as poderia ser um dia (não tão comercial) para festejar o encontro de
pessoas, mas que este não ficasse restrito aos pares de namorados/as porque, na
prática, as relações são muito mais do que esse rótulo e começam consigo mesmo:
com o amor próprio. Os festejos poderiam se estendem para as diversas redes de
pessoas que fazem bem umas às outras. À todas as formas de amar. Sem rótulos.
Sem obrigação de comprar algo para demonstrar afeto. Simplesmente, expressando o amor que, como diz Dijavan, "não cabe em si".